Pragmática e Ironia / Sarcasmo / Humor Pragmático

A pragmática, ramo da linguística que estuda o uso da linguagem em contextos reais, desempenha papel fundamental na compreensão de sentidos implícitos, intenções comunicativas e fenômenos discursivos como a ironia, o sarcasmo e o humor. Esses recursos, embora distintos, compartilham a característica de depender do contexto e do conhecimento compartilhado entre interlocutores para produzir efeitos de sentido específicos.

Ilustração sobre pragmática e uso de ironia

1. Pragmática: fundamentos e importância

A pragmática investiga como o significado emerge das interações sociais, indo além do sentido literal das palavras. De acordo com Levinson (1983), a pragmática preocupa-se com aspectos como pressuposição, implicatura, atos de fala e inferências contextuais. Assim, compreender um enunciado envolve não apenas decodificar sua estrutura linguística, mas também interpretar intenções e expectativas comunicativas.

“A pragmática é o estudo da relação entre signos e seus usuários, considerando as circunstâncias comunicativas que moldam o significado.” (Levinson, 1983)

1.1 Pressuposições e implicaturas

Pressuposições são informações assumidas como conhecidas pelos interlocutores. Implicaturas, por sua vez, constituem sentidos não ditos explicitamente, inferidos com base em princípios conversacionais. Grice (1975) propôs que essas inferências decorrem das chamadas máximas conversacionais — quantidade, qualidade, relação e modo.

“As implicaturas conversacionais surgem quando o falante aparenta violar uma máxima, levando o ouvinte a inferir um sentido adicional.” (Grice, 1975)

2. Ironia: desvio estratégico do sentido literal

A ironia é um recurso pragmático no qual o falante expressa um sentido oposto ou contrastivo ao formulado literalmente. Segundo Sperber e Wilson (1981), a ironia depende de uma “mencionação ecoica”, ou seja, um comentário distanciado sobre crenças, expectativas ou discursos pré-existentes.

2.1 Funcionamento pragmático da ironia

Para compreender um enunciado irônico, o interlocutor precisa reconhecer a discrepância entre o que é dito e o contexto que o cerca. Dessa forma, a ironia não viola apenas expectativas linguísticas, mas também expectativas sociais, valorizando a interpretação inferencial.

“A ironia caracteriza-se por uma dissociação entre a atitude real do falante e o conteúdo literal de seu enunciado.” (Sperber & Wilson, 1981)

2.2 Exemplos de uso da ironia

  • Alguém chega encharcado após a chuva e ouve: “Nossa, que dia seco!”
  • Diante de um atraso evidente: “Pontual como sempre.”

A ironia, nesses casos, só é eficaz porque o interlocutor compreende a incongruência entre a realidade observada e o enunciado proferido.

3. Sarcasmo: ironia com finalidade crítica

Embora frequentemente associado à ironia, o sarcasmo possui um componente mais contundente. Ele se caracteriza pela intenção explícita de ridicularizar, censurar ou criticar comportamentos, instituições ou interlocutores. Assim, o sarcasmo tende a intensificar a ironia por meio de entonação, escolhas lexicais e contexto avaliativo negativo.

3.1 Dimensão avaliativa do sarcasmo

Enquanto a ironia pode funcionar como mecanismo de humor leve, o sarcasmo opera como estratégia de ataque retórico. Dynel (2014) argumenta que o sarcasmo é uma forma de “ironia maliciosa”, cujo propósito comunicativo enfatiza juízos depreciativos.

“O sarcasmo combina eco irônico com uma avaliação negativa explícita, resultando em um ataque crítico disfarçado.” (Dynel, 2014)

3.2 Exemplos de sarcasmo em interações cotidianas

  • “Continue assim, você está se superando na incompetência.”
  • “Parabéns, realmente fez questão de não ajudar em nada.”

4. Humor pragmático: negociações de sentido e cooperação

O humor, enquanto fenômeno pragmático, emerge da quebra de expectativas, da ambiguidade e da criatividade linguística. Diferentemente do sarcasmo, nem todo humor possui carga negativa; ele pode ser cooperativo, solidário e até aproximar os indivíduos socialmente.

4.1 Humor e violação controlada das máximas conversacionais

Segundo Attardo (1994), grande parte das formas de humor é construída a partir da violação planejada das máximas griceanas, especialmente a da relação e a da qualidade. Ao provocar surpresa ou incongruência, o humor força o interlocutor a reinterpretar o enunciado para acessar o sentido pretendido.

“O humor é frequentemente gerado pela incongruência entre o script ativado inicialmente e o script revelado posteriormente.” (Attardo, 1994)

4.2 Funções sociais do humor pragmático

  • Redução de tensões em interações formais.
  • Criação de vínculos e aproximações interpessoais.
  • Estratégia discursiva para críticas indiretas.
  • Marcador de identidade e pertencimento social.

5. Articulação entre ironia, sarcasmo e humor

Esses fenômenos comunicativos compartilham a dependência a inferências pragmáticas e ao reconhecimento do contexto sociocultural. Contudo, diferenciam-se em seus propósitos e efeitos: a ironia opera como comentário distanciado, o sarcasmo apresenta finalidade crítica e o humor pode ser tanto cooperativo quanto dissonante. A interpretação adequada de todos esses recursos exige conhecimento linguístico, cognitivo e sociocultural compartilhado.


Referências

ATTARDO, S. Linguistic Theories of Humor. Berlin: Mouton de Gruyter, 1994.

DYNEL, M. Irony, Deception and Humour: Seeking the Truth about Overt and Covert Untruthfulness. Berlin: De Gruyter, 2014.

GRICE, H. P. Logic and Conversation. In: COLE, P.; MORGAN, J. Syntax and Semantics 3: Speech Acts. New York: Academic Press, 1975.

LEVINSON, S. Pragmatics. Cambridge: Cambridge University Press, 1983.

SPERBER, D.; WILSON, D. Irony and the Use-Mention Distinction. In: COLE, P. Radical Pragmatics. New York: Academic Press, 1981.

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